sábado, 28 de junho de 2008

Pega o ladrão!

"Quem conta um conto, aumenta um ponto", dizem. Então, ao contador de casos, ou "causos", tudo é permitido. Portanto, acredite quem quiser:


Nos idos de 1940, quando eu tinha entre 15 e 18 anos, aconteceu comigo um fato interessante, foi o seguinte:
Meu pai, Sô Ilidinho, transferiu a selaria dele para o meu nome. (Selaria=fábrica de arreios de montaria).
Como proprietário, a responsabilidade aumentou bastante: o atendimento aos vendedores de produtos básicos, atendimento aos fregueses, pagamentos, etc., tudo isso era comigo.
Observem: Tão novo e já era empresário.


Os atacadistas de Belo Horizonte, São Paulo, Curvelo e Rio Grande do Sul continuaram a fornecer mercadorias para a minha empresa, com o aval de papai.
Quando faltava algum material, havia necessidade de minha ida a BH. Eu estava sempre bem trajado, de gravata, paletó e chapéu. Viajava pela Maria Fumaça da Central do Brasil, chegando à capital mineira somente à noite.


Certa vez, para aproveitar oportunidades, viajei em um sábado, pois no domingo pretendia assistir a uma partida de futebol entre o Clube Atlético Mineiro e o Palestra Itália, hoje Cruzeiro Esporte Clube.
No domingo, não me lembro se no campo do Atlético ou no Barro Preto, campo do Cruzeiro, eu estava presente entre os torcedores, fazendo força para a vitória do meu clube favorito, o glorioso Cruzeiro.
No decorrer da partida, notei que Kafunga Murilo e Ramos, do Atlético, estavam impecáveis, salvando o seu time de um resultado negativo. Já no Cruzeiro, os destaques ficavam por conta de Geraldo II, Caieira e Bibi, um trio inesquecível.
O futebol apresentado pelas duas equipes foi equilibrado, muito vibrante, emocionante desde o início até o final, muito bem dirigido pelo competente árbitro Mario Viana, de saudosa memória.
O resultado não poderia ser outro: deu empate.

Estou desviando de assunto, volto ao principal.
No dia seguinte, segunda-feira, fui às compras nas casas especializadas no ramo de couro e outros apetrechos para selaria. Nessa mesma tarde fui à estação ferroviária comprar passagem para, no dia seguinte, viajar de volta para São José da Lagoa, hoje Nova Era.


Com a passagem no bolso, passei pela pensão Sete de Setembro, no bairro Floresta, onde paguei as despesas, pois viajaria no dia seguinte, bem cedo. Entrei no meu quarto, preparei a bagagem e, logo após, saí a caminhar aleatoriamente pela cidade.
Depois do viaduto da Floresta, chegando à Rua da Bahia, à esquerda de quem sobe, havia um Verdurão, com uma banca com bananas no passeio. Aproximei-me para comprar algumas pencas com intuito de levar para casa. Antes de pegar as bananas, não resisti à vontade de comer e retirei uma, quando então ouvi gritos assim:

- Olha o ladrão! Pega o ladrão!


Duas pessoas correram em minha direção. Pensei que algum ladrão queria me roubar, deixei a banana cair e corri para o outro lado da rua, entrando no Parque Municipal (na época, não havia o gradil). De dentro do parque, olhei para trás, mas o trânsito impediu que o ladrão me alcançasse.


Novamente ouvi a mesma voz gritando:
- Cerquem do outro lado que eu vou por aqui!
Pensei comigo:
- Estou roubado! O ladrão vai me deixar nu!
Sem outra saída, subi em uma árvore, escondendo-me entre seus galhos.
Lá de cima pude ver e ouvir os dois supostos ladrões passarem bem próximo:
- É, ele sumiu.


Fiquei na árvore até escurecer, quando começou a chover. Molhei-me todo, abraçado ao tronco para não cair.


Acreditem que a noite chegou e a danada da chuva não parava.
Empoleirado lá em cima, contando as horas pelo som do relógio da Igreja São José, ali fiquei até a madrugada, já sem chuva.


Desci do meu “poleiro”.

Estava ensopado e sujo daquele lodo que escorria pelo tronco da árvore. Caminhei até à Av. Afonso Pena, nas proximidades da Igreja São José, onde pegaria um táxi para pensão 7 de Setembro. Mas... todo o meu dinheiro havia sumido!!!


Conforme relatei no princípio, os rapazes naquela época usavam paletó e chapéu. Voltou a chover abundantemente. A Av. Afonso
Pena era toda arborizada, cheia de ficus enormes. Procurei um cantinho debaixo de uma marquise. Pensava:
- Será que aqueles dois não eram ladrões e, sim, funcionários do comerciante de frutas? Será que eles julgaram que eu queria furtar bananas? Será que eles achavam que eu queria tirar frutas e não pagar?


Cansei de ficar em pé. Sentei-me no chão e, em poucos minutos, estava dormindo. Minha cabeça pendeu para um lado, o chapéu caiu entre minhas pernas, com o tampo virado para cima.


Ao acordar, que surpresa!

O chapéu estava cheio de dinheiro, notas e moedinhas. Olhei para os lados, tudo tranqüilo, guardei a dinheirama nos bolsos e tomei um táxi até a pensão. Tomei rapidamente um banho, troquei de roupas e, ao motorista que me aguardava, ordenei:
- Toca rápido para a Estação Ferroviária!


A locomotiva já resfolegava na plataforma. Embarquei imediatamente para São José da Lagoa, onde cheguei são e salvo.
Melhor: encontrei no fundo do bolso o dinheiro que julgava ter perdido. Depois de tanta aventura, saí no lucro!

sábado, 21 de junho de 2008

Emoções

As cerimônias das nossas Bodas de Diamante transcorriam normalmente, desde a nossa entrada na Matriz de São José: como noivos, Aparecida e eu percorremos o corredor central da igreja, seguidos por nossos filhos com as respectivas esposas, netos e netas. Nossa filha, Sheilinha, também formava o séquito, enquanto todos os presentes nos olhavam sorridentes. Estava emocionado, é claro, mas não poderia supor o que viria. O vigário se referia o tempo todo à importância do evento, citando-nos como exemplo para a comunidade presente. Havia um coral de meninos e meninas que cantavam hinos em ritmos populares, com percussão e tudo, de tal forma que o clima era festivo, alegre e - por que não dizer? - quase dançante.

Surpreendente foi a decisão do Pe. Eugênio em repetir ali, na frente de todos, a cerimônia tradicional do casamento. Chamou-nos ao altar, convocou filhos, netos e parentes para ficarem ao nosso lado e me colocou frente a frente com minha noiva, quer dizer, minha esposa, Aparecida. Principiou:
- Ismael, o senhor aceita a Aparecida, aqui presente, em matrimônio?
- Sim, respondi com voz firme.
- Aparecida, a senhora aceita o Ismael, aqui presente, em matrimônio?
- Sim, falou Aparecida.

Invadiu-me uma avalanche de lembranças.
Voltei ao tempo de rapaz e me vi na calçada da principal rua de Nova Era, apreciando as mocinhas que faziam o footing nas noites de sábado e domingo. A rapaziada ficava na calçada, enquanto as moças andavam de um extremo a outro do quarteirão. Colocavam os melhores vestidos, penteavam-se e se perfumavam. Às vezes, faziam uma espécie de cordão, com cinco ou seis delas de braços dados, ocupando quase toda a largura da rua, rindo, gargalhando.
Os marmanjos jogávamos olhares e piscadelas, ora correspondidos, ora ignorados. Elas, por sua vez, lançavam olhares e sorrisos, às vezes tão explícitos que poderiam se confundir com sem-vergonhice. A maioria se portava discretamente e muitas dissimulavam o interesse, com medo de serem mal vistas ou mal faladas.
Numa dessas noites, imaginava que tudo seria igual ao de sempre: um flerte aqui, uma risada ali, alguma brincadeira ou inocente piadinha sussurrada aos ouvidos da moça mais próxima.
De repente, meu coração deu um salto, disparou que nem os cavalos lá no Morro dos Coqueiros: o olhar de certa morena de olhos verdes fulminou-me! Seu sorriso derreteu os músculos de minhas pernas, que tremeram como se de gelatina fossem. Descobri, ali, minha eterna namorada: Aparecida!

Outras imagens desfilaram em minha mente, enquanto o padre recitava mais e mais perguntas acerca das promessas do matrimônio. Como pode uma vida inteira caber em um segundo de memória?

Ouvi dizer que não existem palavras para expressar uma grande emoção. Eu mesmo já perdera a voz, seja por rouquidão, seja por susto diante de um acontecimento espantoso ou trágico.

Ali, diante da minha eterna namorada, Aparecida, perdi a voz. Sim, senhor, perdi completamente a voz, não sabia o que dizer e parecia que o ar jamais sairia dos meus pulmões. Não, ela não me sufocava, nem susto eu sentia. Foi, realmente, por pura e enorme emoção.


A voz sumiu, o peito apertou e a garganta paralisou quando teria de repetir, palavra por palavra, o juramento final, ditado pausadamente pelo vigário:
- Maria Aparecida, eu te recebo como minha legítima esposa, e prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias de minha vida.

Novamente as lembranças se desfiaram uma a uma, numa velocidade incrível, porém nítidas, claras, estonteantes. Sessenta anos de vida em comum nos proporcionaram alegrias desmedidas mas, também, sofrimentos e angústias enormes: o nascimento de cada um dos filhos, as conquistas materiais, os apertos financeiros, as doenças... ah! as doenças.

São os momentos de dor que mais fortemente revelam o tamanho do amor que une os casais. Estar juntos na alegria, nas festas, nas viagens e na bonança é muito fácil. Entretanto, nosso casamento se fortaleceu exatamente na construção diária de esperanças em dias melhores; no apoio mútuo: eu ao lado da Aparecida, ela do meu lado, nós ao lado dos filhos. Como uma barra de ferro que é temperada na forja e na bigorna, nossa união se firmou nos entreveros que a vida nos proporcionou. Eis-nos, agora, alegres, sorridentes, felizes a abraçar todos e cada um. A vida nos temperou!

A celebração chegava ao fim.
Por um capricho devocional, Aparecida quis que se repetisse, ali, naquele momento, uma tradição dos tempos em que nossos filhos eram crianças. Uma almofada de veludo vermelho em forma de coração representava o sagrado coração de Jesus e Aparecida pediu que cada um dos filhos e netos trocassem os espinhos (alfinetes) por flores (recortes de papel). O coral entoou uma antiga música sacra, denominada "Coração Santo". O povo soltou a voz e uma salva de palmas encerrou a devoção.

Da igreja fomos ao clube, onde nos esperava um grande almoço, para mais de 300 convidados. Tudo muito bem organizado, as mesas repletas de amigos, parentes, conhecidos. Havia fotos que contavam a história de nossa família, álbuns que as pessoas folheavam e reconheciam parentes, locais, situações de décadas atrás. Não conseguirei descrever com detalhes, mas quem conosco esteve jamais esquecerá.
Que venham outros sessenta anos!

domingo, 8 de junho de 2008

CASAMENTO HEXA-CAMPEÃO

Eu e minha eterna namorada Aparecida, contraímos matrimônio em 05/06/1948, na igreja matriz de São José, localizada lá no topo da ladeira, a meio caminho da gruta de São José e suas águas milagrosas.

Aparecida e eu - 05.junho.1948 Posted by Hello


A cerimônia religiosa foi celebrada pelo meu amigo, o padre Antônio Mendes Barros, que sempre me cumprimentou assim:
- Oh! Árbitro da elegância masculina!!!
E eu respondia no mesmo tom:
- Oh! Sua Santidade o Papa!!!
A igreja, literalmente cheia, estava ornamentada com flores, candelabros com suas velas acesas, tapetes vermelhos e outros detalhes; os bancos, repletos de convidados que conversavam a meia voz uns com os outros.
Quando eu e minha mãe, Eutargina – que se apresentava como Nhanhá - desfilamos em direção ao altar, não se ouviu o menor ruído, todos em silêncio com os olhos voltados para nós, estampando, nos semblantes risonhos, entusiasmos e alegrias. Eu olhava para a direita e esquerda sorrindo ... sorrindo sempre. Em cortejo, as testemunhas também desfilaram em direção ao altar.
Bem à frente, em bancos reservados para os familiares, meu pai Ilídio Clementino – conhecido como Sêo Ilidinho - se encontrava junto aos meus irmãos: Diló e sua esposa Olga, com o filho Wagner; Cici - de saudosa memória; Irany, Inésia, Ismar e Irineu. Até a minha avó Leopoldina, que chamávamos de Mamãe Didina, compareceu. Lá estava a avó da Aparecida, dona Maria Moreira, conhecida parteira da cidade, que ajudou o meu filho Cláudio a nascer. É lógico que não faltaram a mãe de Aparecida, dona Raimunda (Mundica) e suas três filhas, Terezinha , Vilma e Zizina, além do meu amigo José Viana e minha prima Zoraida, como testemunhas.
Minha noiva, na porta da igreja, aguardava o término do cortejo.
O coral, dirigido pela freira Irmã Celeste, entoou a Ave Maria de Gounod, num emocionante fundo musical para a entrada de Aparecida, de braços com o saudoso pai, José Bonifácio Domingues, vestido num terno impecável, sempre muito elegante, vaidoso que era.
Lentamente, eu e minha mãe nos encaminhamos em direção a Aparecida que se aproximava. Cumprimentei meu sogro, Bonifácio, despedi-me de minha mãe Nhanhá e respeitosamente depositei um ósculo na face de minha quase esposa. Juntinhos nos dirigimos ao altar-mor, onde nos aguardava o Padre Antônio.
A cerimônia transcorreu de acordo com o ritual. Um momento inesquecível foi a Bênçãos das Alianças:


1ª Bênção
Os dois pajens, Maria Costa minha irmã e afilhada mais o Haroldo, irmão de Aparecida, vagarosamente caminharam em nossa direção conduzindo as alianças que repousavam sobre delicadas almofadas.
O sacerdote abençoa as duas alianças. Pega a menorzinha, coloca-a em minhas mãos e manda que eu a beije e a coloque no dedo anular da mão esquerda de Aparecida, recitando:
- Maria Aparecida, eu te recebo como minha legítima esposa, e prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias de minha vida.
Em seguida, tomou a outra aliança, entregou-a a Aparecida, que
a beijou e colocou no meu dedo, com idênticas promessas, respeitadas até hoje, durante esses últimos 57 anos.

2ª Bênção - Bi
Dez anos são transcorridos. Estamos em 1958.
Numa tarde, nós dois estávamos de volta lá da gruta de São José, quando resolvemos entrar na igreja matriz para orações.
Por acaso, realizava-se um casamento. Percebemos que se tratavam de pessoas humildes, pobres. Aguardamos à porta para não incomodar. Eram dois idosos que se casavam, testemunhados apenas por uma senhora mais idosa e o padre. A igreja estava quase deserta.
Em dado momento, o celebrante nos chamou e pediu emprestadas as nossas alianças, para que a cerimônia ficasse completa. E nossas alianças foram abençoadas pela 2ª vez...

3ª Bênção – Tri – As Bodas de Prata
Quinze anos depois, em 1973, as mesmas alianças recebem a bênção pela terceira vez, quando comemoramos nossas Bodas de Prata. Houve uma Missa Festiva, com a presença de muitos amigos, parentes e de todos os nossos 9 filhos, a saber: Cláudio, Clóvis, Cléver, Ismael José, Sheila, Jaques, Ilídio, Nélio e Bonifácio. Agora, as alianças já são tri-campeãs!!!

4a. bênção - 1983 - Tetra
Desta vez, éramos testemunhas de um casamento muito chique. Igreja lotada, com direito a Marcha Nupcial e outras pompas.
Tudo normal até o momento da cerimônia da bênção das alianças.
Os pajens se aproximam dos noivos e do padre, com uma salva de prata, na qual deveriam estar as alianças no meio de pétalas de rosas. Surpresa e decepção: não havia aliança nenhuma!
Estávamos, eu e Aparecida, ao lado dos noivos. O padre teve a presença de espírito de nos pedir emprestadas as nossas próprias alianças. Abençoa-as e as entrega aos noivos, dando continuidade à cerimônia. Só no final do casamento, elas nos foram devolvidas. Pela quarta vez, são abençoadas.

5a. Bênção – 1998 -Penta – Bodas de Ouro
As Bodas de Ouro, como convinha, foram celebradas com as maiores pompas na mesma matriz, superlotada. Filhos, noras e netos demonstrando alegria pelo crescimento da família Costa. O novo vigário, Padre Efraim Solano Lopes, toma em suas mãos as velhas alianças.
Com emoção, presenciamos a 5ª bênção. Feliz, posso dizer:
- Temos alianças penta-campeãs... de bênção! Até 2005, sem dúvida, é recorde mundial!

6a. Bênção – 2008 - Hexa – Bodas de Diamante

Dia 5 de junho, na semana passada, Aparecida e eu completamos os 60 anos de vida em comum.
Parece que foi ontem, ali mesmo sob o altar-mor da Matriz de São José. Recebemos as bênçãos sacramentais pelas mãos do Padre Antônio Mendes, os padrinhos e parentes ali ao lado, a igreja repleta...
Agora, a festa está sendo preparada para domingo, dia 15 de junho: outra Missa, mais bênção e um almoço comemorativo. Filhos, netos, sobrinhos, amigos daqui da cidade e de fora, convidamos e aguardamos todos.
Nada de muito luxo, nada de ostentação, mas esbanjaremos alegria e contentamento com a presença de cada um.
Eis o nosso patrimônio: o respeito, a admiração, a alegria de termos uma família unida e amigos constantes.
Por isso, posso dizer com orgulho: nosso casamento é hexacampeão.
E que venham outros campeonatos!!!
Aguardamos vocês!