Muitos me perguntam, seja pessoalmente, seja por telefone, até por e-mail:
- Soié, como é possível viver tão bem com a esposa, em tão perfeita harmonia, sem brigas ou discussões?
O povo ficou muito curioso, depois que Aparecida e eu fomos entrevistados sobre esse assunto, pelo repórter do Labirinto, daqui de Nova Era. Provavelmente por indicação de meu filho Bonifácio, bacharel, redator daquele jornal. Querem saber como nos mantivemos casados durante 59 anos, já pensando nas festividades das Bodas de Diamante, sem nunca termos uma discussão, por menor que seja. Faço questão de dizer: estamos sempre de acordo.
Incrédulo, o jovem repórter indaga:
- Mas vocês nunca discutiram, mesmo?
- Não, de maneira alguma, garanto.
- Como é possível uma coisa dessas?
- É fácil, respondo. Escute a história que vou contar e terá a receita exata da paz conjugal.
Tudo começou já na lua-de-mel. Recém-casados, lá fomos nós para a Pousada do Rio Quente, em Goiás.
O inesperado foi que minha mulher levou consigo uma gatinha à qual se afeiçoara desde os tempos de noivado. Não pude evitar, pois ela me disse que o tal bichinho era tudo que mais amava na vida, a criatura sem a qual ela preferiria morrer. Diante de tão forte argumento, fazer o quê?
Pois bem, passeamos muito, até visitamos a cratera de um extinto vulcão, de onde brotavam as famosas águas quentes. Foi ali que começou a coleção de pedras da Aparecida: catou um pedaço de lava, pretinho.
Pois bem, passeamos muito, até visitamos a cratera de um extinto vulcão, de onde brotavam as famosas águas quentes. Foi ali que começou a coleção de pedras da Aparecida: catou um pedaço de lava, pretinho.
Sem entrar em detalhes, posso garantir que nos divertimos muito, sempre acompanhados do animalzinho de estimação.
Certo dia, sem mais nem menos, a tal gatinha mordeu o dedo de Aparecida. Indignada, com os olhos merejados de lágrimas, olhou bem nos olhos do bichano e falou:
- Um!
Dia seguinte, outra mordida. Chorando, Aparecida encarou a gata e murmurou-lhe no pé do ouvido:
- Dois!
Na terceira mordida, Aparecida, para meu maior espanto, sacou da bolsa uma garrucha, gritou "Três" e sapecou uns cinco tiros na bichinha!!!
Obviamente fiquei apavoradíssimo, não sabia o que dizer, fiquei mesmo furioso e parti pra cima de minha mulher:
- Sua ignorante, desalmada, porque é que tu fizeste uma coisa dessas com a gatinha, mulher?
Ela me olhou com aquele mesmo olhar que dirigira para a gatinha e, com o dedo indicador na ponta de meu nariz, gritou:
- Um!
....
Depois disso, meu caríssimo repórter, nunca mais discutimos. Jamais discordei, contrariei, nem em ato nem em pensamento.
É isso que todos precisam saber: nunca me esqueci daquela voz decidida principiando a contagem:
- "Um..."
Pensa você que eu iria deixá-la chegar ao "Três"?
- Este é o segredo de uma vida conjugal serena, harmoniosa, duradoura.
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