As cerimônias das nossas Bodas de Diamante transcorriam normalmente, desde a nossa entrada na Matriz de São José: como noivos, Aparecida e eu percorremos o corredor central da igreja, seguidos por nossos filhos com as respectivas esposas, netos e netas. Nossa filha, Sheilinha, também formava o séquito, enquanto todos os presentes nos olhavam sorridentes. Estava emocionado, é claro, mas não poderia supor o que viria. O vigário se referia o tempo todo à importância do evento, citando-nos como exemplo para a comunidade presente. Havia um coral de meninos e meninas que cantavam hinos em ritmos populares, com percussão e tudo, de tal forma que o clima era festivo, alegre e - por que não dizer? - quase dançante.
Surpreendente foi a decisão do Pe. Eugênio em repetir ali, na frente de todos, a cerimônia tradicional do casamento. Chamou-nos ao altar, convocou filhos, netos e parentes para ficarem ao nosso lado e me colocou frente a frente com minha noiva, quer dizer, minha esposa, Aparecida. Principiou:
- Ismael, o senhor aceita a Aparecida, aqui presente, em matrimônio?
- Sim, respondi com voz firme.
- Aparecida, a senhora aceita o Ismael, aqui presente, em matrimônio?
- Sim, falou Aparecida.
Invadiu-me uma avalanche de lembranças.
Voltei ao tempo de rapaz e me vi na calçada da principal rua de Nova Era, apreciando as mocinhas que faziam o footing nas noites de sábado e domingo. A rapaziada ficava na calçada, enquanto as moças andavam de um extremo a outro do quarteirão. Colocavam os melhores vestidos, penteavam-se e se perfumavam. Às vezes, faziam uma espécie de cordão, com cinco ou seis delas de braços dados, ocupando quase toda a largura da rua, rindo, gargalhando.
Os marmanjos jogávamos olhares e piscadelas, ora correspondidos, ora ignorados. Elas, por sua vez, lançavam olhares e sorrisos, às vezes tão explícitos que poderiam se confundir com sem-vergonhice. A maioria se portava discretamente e muitas dissimulavam o interesse, com medo de serem mal vistas ou mal faladas.
Numa dessas noites, imaginava que tudo seria igual ao de sempre: um flerte aqui, uma risada ali, alguma brincadeira ou inocente piadinha sussurrada aos ouvidos da moça mais próxima.
De repente, meu coração deu um salto, disparou que nem os cavalos lá no Morro dos Coqueiros: o olhar de certa morena de olhos verdes fulminou-me! Seu sorriso derreteu os músculos de minhas pernas, que tremeram como se de gelatina fossem. Descobri, ali, minha eterna namorada: Aparecida!
Outras imagens desfilaram em minha mente, enquanto o padre recitava mais e mais perguntas acerca das promessas do matrimônio. Como pode uma vida inteira caber em um segundo de memória?
- Ismael, o senhor aceita a Aparecida, aqui presente, em matrimônio?
- Sim, respondi com voz firme.
- Aparecida, a senhora aceita o Ismael, aqui presente, em matrimônio?
- Sim, falou Aparecida.
Invadiu-me uma avalanche de lembranças.
Voltei ao tempo de rapaz e me vi na calçada da principal rua de Nova Era, apreciando as mocinhas que faziam o footing nas noites de sábado e domingo. A rapaziada ficava na calçada, enquanto as moças andavam de um extremo a outro do quarteirão. Colocavam os melhores vestidos, penteavam-se e se perfumavam. Às vezes, faziam uma espécie de cordão, com cinco ou seis delas de braços dados, ocupando quase toda a largura da rua, rindo, gargalhando.
Os marmanjos jogávamos olhares e piscadelas, ora correspondidos, ora ignorados. Elas, por sua vez, lançavam olhares e sorrisos, às vezes tão explícitos que poderiam se confundir com sem-vergonhice. A maioria se portava discretamente e muitas dissimulavam o interesse, com medo de serem mal vistas ou mal faladas.
Numa dessas noites, imaginava que tudo seria igual ao de sempre: um flerte aqui, uma risada ali, alguma brincadeira ou inocente piadinha sussurrada aos ouvidos da moça mais próxima.
De repente, meu coração deu um salto, disparou que nem os cavalos lá no Morro dos Coqueiros: o olhar de certa morena de olhos verdes fulminou-me! Seu sorriso derreteu os músculos de minhas pernas, que tremeram como se de gelatina fossem. Descobri, ali, minha eterna namorada: Aparecida!
Outras imagens desfilaram em minha mente, enquanto o padre recitava mais e mais perguntas acerca das promessas do matrimônio. Como pode uma vida inteira caber em um segundo de memória?
Ouvi dizer que não existem palavras para expressar uma grande emoção. Eu mesmo já perdera a voz, seja por rouquidão, seja por susto diante de um acontecimento espantoso ou trágico.
Ali, diante da minha eterna namorada, Aparecida, perdi a voz. Sim, senhor, perdi completamente a voz, não sabia o que dizer e parecia que o ar jamais sairia dos meus pulmões. Não, ela não me sufocava, nem susto eu sentia. Foi, realmente, por pura e enorme emoção.
A voz sumiu, o peito apertou e a garganta paralisou quando teria de repetir, palavra por palavra, o juramento final, ditado pausadamente pelo vigário:
- Maria Aparecida, eu te recebo como minha legítima esposa, e prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias de minha vida.
Novamente as lembranças se desfiaram uma a uma, numa velocidade incrível, porém nítidas, claras, estonteantes. Sessenta anos de vida em comum nos proporcionaram alegrias desmedidas mas, também, sofrimentos e angústias enormes: o nascimento de cada um dos filhos, as conquistas materiais, os apertos financeiros, as doenças... ah! as doenças.
São os momentos de dor que mais fortemente revelam o tamanho do amor que une os casais. Estar juntos na alegria, nas festas, nas viagens e na bonança é muito fácil. Entretanto, nosso casamento se fortaleceu exatamente na construção diária de esperanças em dias melhores; no apoio mútuo: eu ao lado da Aparecida, ela do meu lado, nós ao lado dos filhos. Como uma barra de ferro que é temperada na forja e na bigorna, nossa união se firmou nos entreveros que a vida nos proporcionou. Eis-nos, agora, alegres, sorridentes, felizes a abraçar todos e cada um. A vida nos temperou!
A celebração chegava ao fim.
Por um capricho devocional, Aparecida quis que se repetisse, ali, naquele momento, uma tradição dos tempos em que nossos filhos eram crianças. Uma almofada de veludo vermelho em forma de coração representava o sagrado coração de Jesus e Aparecida pediu que cada um dos filhos e netos trocassem os espinhos (alfinetes) por flores (recortes de papel). O coral entoou uma antiga música sacra, denominada "Coração Santo". O povo soltou a voz e uma salva de palmas encerrou a devoção.
Da igreja fomos ao clube, onde nos esperava um grande almoço, para mais de 300 convidados. Tudo muito bem organizado, as mesas repletas de amigos, parentes, conhecidos. Havia fotos que contavam a história de nossa família, álbuns que as pessoas folheavam e reconheciam parentes, locais, situações de décadas atrás. Não conseguirei descrever com detalhes, mas quem conosco esteve jamais esquecerá.
Que venham outros sessenta anos!- Maria Aparecida, eu te recebo como minha legítima esposa, e prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias de minha vida.
Novamente as lembranças se desfiaram uma a uma, numa velocidade incrível, porém nítidas, claras, estonteantes. Sessenta anos de vida em comum nos proporcionaram alegrias desmedidas mas, também, sofrimentos e angústias enormes: o nascimento de cada um dos filhos, as conquistas materiais, os apertos financeiros, as doenças... ah! as doenças.
São os momentos de dor que mais fortemente revelam o tamanho do amor que une os casais. Estar juntos na alegria, nas festas, nas viagens e na bonança é muito fácil. Entretanto, nosso casamento se fortaleceu exatamente na construção diária de esperanças em dias melhores; no apoio mútuo: eu ao lado da Aparecida, ela do meu lado, nós ao lado dos filhos. Como uma barra de ferro que é temperada na forja e na bigorna, nossa união se firmou nos entreveros que a vida nos proporcionou. Eis-nos, agora, alegres, sorridentes, felizes a abraçar todos e cada um. A vida nos temperou!
A celebração chegava ao fim.
Por um capricho devocional, Aparecida quis que se repetisse, ali, naquele momento, uma tradição dos tempos em que nossos filhos eram crianças. Uma almofada de veludo vermelho em forma de coração representava o sagrado coração de Jesus e Aparecida pediu que cada um dos filhos e netos trocassem os espinhos (alfinetes) por flores (recortes de papel). O coral entoou uma antiga música sacra, denominada "Coração Santo". O povo soltou a voz e uma salva de palmas encerrou a devoção.
Da igreja fomos ao clube, onde nos esperava um grande almoço, para mais de 300 convidados. Tudo muito bem organizado, as mesas repletas de amigos, parentes, conhecidos. Havia fotos que contavam a história de nossa família, álbuns que as pessoas folheavam e reconheciam parentes, locais, situações de décadas atrás. Não conseguirei descrever com detalhes, mas quem conosco esteve jamais esquecerá.
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