sexta-feira, 1 de abril de 2011

TIRO AO ALVO

Todos nós precisamos de um pequeno descanso e, como não sou de ferro, resolvi passar uma temporada nas cercanias de Belo Horizonte, a linda capital de todos os mineiros. Como é linda!

Na Casa Salles, loja belorizontina especializada em armas e munições, comprei pequena espingarda, os cartuchos, a pólvora e chumbo dos tipos grosso e fino para dar alguns tirinhos em alvo móvel. É claro que registrei o meu pequeno fuzil na Delegacia de Armas e Munições, pois não sou muito bobo e respeito leis.

Ao anoitecer, eu e minha eterna namorada, Aparecida, chegamos à Serra da Moeda, onde nos hospedamos no chalé do filho Clóvis.

Lá pelas tantas da noite, após o banho, fomos dormir para o merecido descanso.
De manhã, saímos para passear no campo. Levei arma ao ombro e munição a tiracolo. Sentimos o agradabilíssimo perfume de flores variadas e admiramos centenas de lindos e inquietos colibris a esvoaçar de flor em flor, a bebericar delicioso néctar. Dúzias de borboletas, em espetáculo silencioso, dançavam um balé surpreendente e levíssimo.

Preparei, então, a arma, abastecendo-a de um cartucho carregado com chumbo tipo mostarda, aquele fininho.

Mirei os beija-flores e... pimba! Muitos fugiram, outros caíram sobre a relva.

Buscamos o caminho do açude, em cujas águas se banhavam peixinhos dourados, lambaris, tilápias e carpas preguiçosas. À margem, sete tartaruguinhas se aqueciam sobre a pedra lisa, talvez em dúvida se deveriam ou não lançar-se numa aventura aquática.

Não pensei duas vezes. Mais um cartucho no fuzil e... pimba! Imediatamente o improvisado trampolim se transformou numa lápide, repouso eterno para sete tartaruguinhas recém-nascidas! Pensei: “Adeus, quelônios!”

Pouco além, alcançamos um aclive suave, em busca das sombras de frondoso jatobá. Era imenso, com suas folhas verde-escuras. Pena não ser época dos frutos, cuja casca duríssima escondem deliciosos frutos. No alto, meu olhar alcançou um casal de joão-de-barro, que me observavam na soleira de sua casa.

Pimba! Ao estampido do tiro seguiu-se um duplo baque, assinalando aos meus pés que tenho, modéstia à parte, ótima pontaria.

Minha eterna namorada recolheu mais aqueles bichinhos, juntando-os às tartaruguinhas e beija-flores que jaziam no fundo de uma sacola.

Retornamos ao chalé.

Alguém que ouvira tiros telefonara à polícia e já nos aguardava um jovem policial:

- O delegado me mandou aqui porque o senhor estava dando uns tiros. O que é que aconteceu?

- Apenas matei vinte beija-flores com um tiro só, respondi com naturalidade.

- Não acredito, retrucou admirado.

Então gritei:

- Aparecida, traga as vinte cabecinhas dos passarinhos pro inspetor ver!

Enquanto apresentava o amontoado de penas, o inspetor já lavrava ocorrência:

- E o senhor matou mais algum animal?

- Aparecida, mostra as sete tartaruguinhas que matei com um único tiro!

Examinando os restos mortais dos minúsculos quelônios, espichou os olhos pro embornal segurado por minha mulher.

- Ah, disse eu, tem aqui mais este casal de joão-de-barro que matei com um tiro só, de uma única vezada!

Indignado, o policial levanta a voz e quase berra:

- E não veio nenhum inspetor aqui? Isso é desrespeito à natureza!

Com voz mansa, quase que pedindo desculpas, explico:

- Até que topamos com um outro guarda...

E voltando-me para Aparecida:

- ...pegue ali a cabeça daquele inspetor que veio reclamar. Vamos mostrar aqui para a Autoridade.

Recolhendo a papelada, o jovem me estende a mão:

- Não é necessário, senhor. Não precisa, senhora. Já está tudo esclarecido!

Sem olhar para trás, saiu desabalada carreira, como se diz. Nunca mais foi visto pelas bandas da Serra da Moeda.

Pois é, hoje é 1º de abril... e nada como uma boa história para pegar os incautos.

Em tempo: respeite e preserve a Natureza!