sábado, 6 de abril de 2013

O CANTO DA SEREIA


Hoje, reinicio estas crônicas, mostrando para minha eterna e querida namorada Aparecida, aos queridos e idolatrados filhos e filha, aos amigos leitores, uma aventura ocorrida há muitos e muitos anos.
Ainda adolescente, tomei conhecimento de que certa Sereia com cicatriz no rosto, vez por outra, surgia entre as pedras localizadas no Rio Piracicaba, onde hoje se encontra a ponte dos arcos, batizada oficialmente como Ponte Benedito Valadares. Foi inaugurada pelo então Presidente Getúlio Vargas e pelo Governador Mineiro, Dr. Benedito Valadares.
Devo esclarecer que o Piracicaba era um rio muito volumoso, de águas cristalinas. Tão límpidas eram que todos a bebiam naturalmente.
Vários moradores de ambos os sexos banhavam-se diariamente em suas águas; lógico que eu também. Por sinal, era um nadador exemplar, conseguindo me classificar em primeiro lugar nas provas disputadas; tanto de superfície quanto nas subaquáticas (mergulho).
Ninguém conseguia me superar e ficar mais tempo debaixo dágua. Nas margens de areia e cascalho fino, inúmeras senhoras lavavam roupas, aproveitando aquelas corredeiras límpidas.
Mas, voltando ao caso da Sereia, ela aparecia sempre nas noites de lua cheia, sem que pessoa alguma notasse de onde ela chegava. O mistério era total.
Porém, naquela noite um jovem gritou:
- Olha ela ali!
Foi um alvoroço.
Era verdade: a Sereia estava logo ali, bem no meio do rio, por entre pedras. Escutávamos um canto sublime, ao mesmo tempo bonito e estranho.
Que alvoroço! Que espetáculo!
O silêncio tomou conta de todos nós que, hipnotizados, contemplávamos a cena e ouvíamos a melodia mágica. De repente, misteriosamente, a Sereia com cicatriz no rosto desapareceu.
Na manhã seguinte, procurou-me uma comissão de jovens. Imploraram-me que mergulhasse no local da aparição. Queriam que eu descobrisse o mistério: como ocorria aquilo, aparecer e desaparecer uma Sereia?
- Mergulhe, Soié, somente você poderá desvendar o segredo!
Não me fiz de rogado. Vesti roupa especial para mergulhos e me dirigi ao rio. O pessoal, quase em procissão, acompanhou-me.  Não exagero se disser que havia umas quinhentas pessoas, quase a cidade toda! Molhei a mão na água e passei na fronte, ritual indispensável a todo nadador.
Pouco a pouco, comecei a enfrentar a correnteza que crescera, naquele dia, devido às chuvas de março. Ouvia-se apenas o ruído de minhas pernas cortando as águas revoltas que faziam redemoinho em torno de mim. O resto era silêncio e expectativa.
Todos me viram mergulhar. Como se fossem mergulhadores, prenderam a respiração como eu mesmo fazia. Queriam me ajudar?
Mergulhei.
...
Voltei à tona, tomei fôlego e voltei rápido às águas agora turvas, tão clarinhas na véspera.  Mas deu tempo de escutar os gritos da platéia:
- Ismael! Ismael! Soié!
Ao emergir pela segunda vez, levei as duas mãos ao rosto. Foi quando começou a gritaria:  
- Soié!!!! Que aconteceu???, todos num coro só.
Nada respondi.  
- Soiééééé! Soiéééé! Que aconteceu, Soié?
- O que é que foi, minha Nossa Senhora?, exclamou alguém.
Lentamente, descobri meu rosto e encarei a multidão. Fez-se um silêncio cadavérico!
...
Com muito gosto, quase às gargalhadas, consegui dizer alto e bom som:
- Hahaha! Mais uma vez peguei vocês! Esqueceram-se de que estamos na Quaresma, época da Mula Sem Cabeça? Esqueceram-se de que hoje é Primeiro de Abril? Hahahahaha!
E voltei a mergulhar, nadar, saltar. Quase afoguei-me de tanto rir:
- Hahaha, Primeiro de Abril... hahahaha