Hoje,
reinicio estas crônicas, mostrando para minha eterna e querida namorada
Aparecida, aos queridos e idolatrados filhos e filha, aos amigos leitores, uma
aventura ocorrida há muitos e muitos anos.
Ainda
adolescente, tomei conhecimento de que certa Sereia com cicatriz no rosto, vez
por outra, surgia entre as pedras localizadas no Rio Piracicaba, onde hoje se
encontra a ponte dos arcos, batizada oficialmente como Ponte Benedito
Valadares. Foi inaugurada pelo então Presidente Getúlio Vargas e pelo
Governador Mineiro, Dr. Benedito Valadares.
Devo
esclarecer que o Piracicaba era um rio muito volumoso, de águas cristalinas. Tão
límpidas eram que todos a bebiam naturalmente.
Vários moradores
de ambos os sexos banhavam-se diariamente em suas águas; lógico que eu também.
Por sinal, era um nadador exemplar, conseguindo me classificar em primeiro
lugar nas provas disputadas; tanto de superfície quanto nas subaquáticas (mergulho).
Ninguém
conseguia me superar e ficar mais tempo debaixo dágua. Nas margens de areia e
cascalho fino, inúmeras senhoras lavavam roupas, aproveitando aquelas
corredeiras límpidas.
Mas,
voltando ao caso da Sereia, ela aparecia sempre nas noites de lua cheia, sem
que pessoa alguma notasse de onde ela chegava. O mistério era total.
Porém,
naquela noite um jovem gritou:
- Olha ela
ali!
Foi um
alvoroço.
Era
verdade: a Sereia estava logo ali, bem no meio do rio, por entre pedras. Escutávamos
um canto sublime, ao mesmo tempo bonito e estranho.
Que
alvoroço! Que espetáculo!
O silêncio
tomou conta de todos nós que, hipnotizados, contemplávamos a cena e ouvíamos a
melodia mágica. De repente, misteriosamente, a Sereia com cicatriz no rosto
desapareceu.
Na manhã
seguinte, procurou-me uma comissão de jovens. Imploraram-me que mergulhasse no
local da aparição. Queriam que eu descobrisse o mistério: como ocorria aquilo,
aparecer e desaparecer uma Sereia?
-
Mergulhe, Soié, somente você poderá desvendar o segredo!
Não me fiz
de rogado. Vesti roupa especial para mergulhos e me dirigi ao rio. O pessoal,
quase em procissão, acompanhou-me. Não
exagero se disser que havia umas quinhentas pessoas, quase a cidade toda! Molhei
a mão na água e passei na fronte, ritual indispensável a todo nadador.
Pouco a
pouco, comecei a enfrentar a correnteza que crescera, naquele dia, devido às chuvas
de março. Ouvia-se apenas o ruído de minhas pernas cortando as águas revoltas
que faziam redemoinho em torno de mim. O resto era silêncio e expectativa.
Todos me
viram mergulhar. Como se fossem mergulhadores, prenderam a respiração como eu
mesmo fazia. Queriam me ajudar?
Mergulhei.
...
Voltei à
tona, tomei fôlego e voltei rápido às águas agora turvas, tão clarinhas na véspera.
Mas deu tempo de escutar os gritos da
platéia:
- Ismael! Ismael!
Soié!
Ao emergir
pela segunda vez, levei as duas mãos ao rosto. Foi quando começou a gritaria:
- Soié!!!!
Que aconteceu???, todos num coro só.
Nada respondi.
- Soiééééé!
Soiéééé! Que aconteceu, Soié?
- O que é que
foi, minha Nossa Senhora?, exclamou alguém.
Lentamente,
descobri meu rosto e encarei a multidão. Fez-se um silêncio cadavérico!
...
Com muito
gosto, quase às gargalhadas, consegui dizer alto e bom som:
- Hahaha!
Mais uma vez peguei vocês! Esqueceram-se de que estamos na Quaresma, época da
Mula Sem Cabeça? Esqueceram-se de que hoje é Primeiro de Abril? Hahahahaha!
E voltei a
mergulhar, nadar, saltar. Quase afoguei-me de tanto rir:
- Hahaha,
Primeiro de Abril... hahahaha
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