Minha saudosa mãe, Nhanhá, era mestra na arte de contar histórias. À noite, reunia os filhos e nos mantinha atentos a escutar casos como o que compartilho, hoje, com vocês. Acompanhem-me:
Há muitos e muitos anos, quando os bichos falavam, um bando de sapos vivia dentro de um poço muito fundo, sombrio e sujo. Lá se organizavam por hierarquia, força e poder. Os maiores eram os senhores. Estes mandavam e desmandavam. Aos menores restava obedecer. Se desobedecessem, eram punidos severamente, até com a perda da própria vida. Apesar de tanta tirania, havia sapos poetas, sapos mestres, sapos músicos que conseguiam burlar a censura e denunciar as injustiças com poemas e belas melodias. Mas a vida continuava sofrida e cruel para a maioria.
Certo dia, um sabiá que voava tranqüilamente, pousou na beira do poço. Olhou para baixo e viu que era muito fundo. Pensou:
- Lá em baixo deve ter água muito limpa e clara, talvez um bom lugar para se fazer um ninho. Vou dar uma espiadinha. Teve, porém, uma grande surpresa ao ver tanto sapo naquele lugar imundo.
Entretanto, a inesperada aparição do sabiá foi recebida pelos sapos com curiosidade e admiração. Os sapos nunca tinham visto um ser estranho como aquele que pairava no ar, tornando-se para os sapos objeto de contemplação. O pássaro, por sua vez, constatou que os sapos viviam ali presos e ignoravam a beleza do mundo exterior. Pôs-se logo a falar do seu mundo:
- Lá fora é um lugar muito bonito. É maravilhoso o pôr-do-sol. É admirável o brilho da lua cheia. Há a beleza das flores coloridas e perfumadas, que dão sentido ao viver das abelhas produtoras de delicioso mel. O verde da natureza é algo indescritível, pois dá descanso e paz às criaturas.
Depois de falar bastante percebeu que não era compreendido. O sabiá bateu asas e partiu. Os sapos se puseram, então, a decifrar as palavras do estranho. Algum existencialista, com sua complicada teoria, refutava a possibilidade da existência de um mundo que sapos jamais vislumbraram. Poetas e sonhadores puseram-se a sonhar com aquele paraíso e compunham poemas e canções, fantasiando um mundo maravilhoso, onde reinaria a paz, a justiça, o belo e o bem.
Após a visita do sabiá, o mundo dos sapos já não era mais o mesmo. Surgiram os partidários pró e contra. A insegurança tomou conta dos poderosos. Havia sapo sonhando demais. Era preciso dar um fim àquele estranho que causava tantos males à sociedade.
Preparou-se uma armadilha e aguardaram.
Após certo tempo, o sabiá retornou e pôs-se a falar novamente sobre a beleza do mundo e a ensinar como seria possível alcança-lo, até que caiu sobre ele a armadilha. Preso, foi morto e empalhado para que todos pudessem vê-lo de perto. Foi posto num museu, tendo uma placa que dizia:
- Eis aquele que dizia blasfêmias, que nos incitava à loucura coletiva. Agora estamos salvos, pois não corremos o risco de acreditar naquilo que não vemos e não podemos comprovar.
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