Os ciganos são pessoas que vivem de cidade em cidade, vendendo seus tachos e panelas de cobre (muitas vezes simples latão), trocando animais e, às vezes enganando a todos. Têm seu próprio dialeto. Andam sempre em grupo.
As mulheres ciganas, com dentes e colares de ouro (ou bijuteria), roupas vistosas em cores vivas, geralmente com os cabelos compridos e em pontos estratégicos das cidades, lêem a sorte na palma da mão de todos que queiram saber o passado, o presente e o futuro.
Na princípio de minha vida de casado eu exercia a profissão “seleiro”. Fabricava e consertava selas ou arreios para montaria, daquelas de couro, trabalhadas com tachas e tiras, com estribo e outros apetrechos. Também fabricava e consertava calçados, sandálias, alforjes, cintos, enfim, tudo quanto era vestimenta de couro.
Os ciganos caminhavam muito, assim seus sapatos se estragavam com facilidade. Quando se acampavam em Nova Era, minha sapataria era o ponto preferido pelas ciganas para compra e consertos.
Determinado dia, uma bonita cigana em seus 20 anos de idade, entrou no estabelecimento, sentou em uma cadeira do lado de dentro do balcão e me chamou assim:
- Psiu, chega aqui bem perto de mim.
Aproximei-me. Estavam presentes meus dois funcionários, meio desconfiados.
A moça falou:
- Hoje vou ler a sua sorte e nada cobrarei.
Repetindo "não vou cobrar nada", prosseguiu:
- Me dê a mão, meu jovem.
Mesmo sem acreditar que alguém pudesse prever o futuro, consenti.
A cigana abriu a sua própria, colocando o dorso de minha mão na palma da sua. Ato contínuo, disse que estava vendo em meu brilhante futuro um mundo de glórias. Previa sempre algo que todos nós gostaríamos que acontecesse.
Em dado momento, exclamou, de chofre:
- Meu Deus, que vejo?! Será possível?
E apontando o dedo para o decote de sua blusa, acrescentou:
- Coloque uma nota aqui, para clarear! Para clarear!
Não obedeci, alegando não ter dinheiro.
Ela continuou a declamar seus manjados conhecimentos. Meus funcionários mantinham a atenção voltada para o monólogo da cigana, pois só ela falava.
De repente, ficou em silêncio por alguns instantes. Suspense. Aí, exclamou:
- Que vejo?! Oh! Que vejo?! Um enterro daqui a alguns meses!!! Não é possível! Meu Deus!!! Você é casado... ao lado do caixão o viúvo se parece com você!
Com voz pausada, como se tentasse vislumbrar algo ainda meio obscuro, prosseguiu:
- Está tudo com muito nevoeiro, não vejo direito, mas é você mesmo!
Eu escutava.
- Ainda há tempo de mudar o destino... Coloque aqui - aponta para o decote generoso - coloque aqui uma nota para clarear, para eu ver melhor.
Não tenho dinheiro, retruquei.
Então disse:
- Você quer assim, não é? Pois assim será!
Empurrou bruscamente a minha mão e saiu da sapataria. Lá fora, foi logo dizendo às companheiras, que a aguardavam na calçada:
- Com ele não teve jeito. Vamos embora!
É claro que a profecia trouxe muita preocupação para mim, apesar de minha descrença.
Mais tarde, ao retornar para casa, fui recebido por Aparecida, minha jovem esposa eterna namorada, já grávida do primeiro filho. Como sempre, perguntou-me pelo movimento do dia, se trabalhei muito, etc. Respondi que foi tudo muito bom, nada contando sobre a cigana.
Horas depois minha esposa aproximou=se bem e, em tom de súplica, perguntou:
- Meu bem, que houve? Estou achando você muito sem graça, que aconteceu? Discutiu com algum freguês?
- Sim, Aparecida, desentenderam-se comigo, mas já passou.
Eu não podia e não queria contar nada sobre a cigana, tinha medo de assustá-la e fazê-la perder a gravidez.
Os dias se passaram e o meu silêncio a respeito da prevista viuvez permanecia.
Logo o Cláudio nasceu. Muita alegria, muitas visitas, muito trabalho. Chegou o dia do batizado, tudo era festa. Esqueci-me por completo das palavras da cigana.
Meses e anos se passaram e o Cláudio ganhou 8 irmãos! Entre eles apenas uma menina, a Sheila. No dia em que comemorávamos nossas Bodas de Prata, passou por nossa casa um cigano oferecendo um tacho de cobre [que não compramos].
Quando ele se afastou, eu disse à Aparecida:
- A cigana me enganou. Que bom!
Abracei-a com lágrimas nos olhos e contei, tintim por tintim, o episódio de tempos atrás, repetindo:
- A CIGANA ME ENGANOU. QUE BOM!!!
Rimos bastante. Já comemoramos as Bodas de Ouro. Neste dia 05 de junho fizemos 59 anos de casamento e, em 2008, comemoraremos as Bodas de Diamante.
Aproveito para convidar todos vocês: compareçam!
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Contei este caso há uns dois anos, quando comecei o blog.
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