Reconto uma das minhas histórias:
Nos idos de 1940, quando eu tinha entre 15 e 18 anos, aconteceu comigo um fato interessante, foi o seguinte:
Meu pai, Sô Ilidinho, transferiu para o meu nome sua selaria (fábrica de arreios de montaria).
Como proprietário, a responsabilidade aumentou bastante: o atendimento aos vendedores de produtos básicos, atendimento aos fregueses, pagamentos, etc., tudo isso era comigo.
Observem: Tão novo e já era empresário.
Os atacadistas de Belo Horizonte, São Paulo, Curvelo e Rio Grande do Sul continuaram a fornecer mercadorias para a minha empresa, com o aval de papai.
Quando faltava algum material, havia necessidade de minha ida a BH. Eu estava sempre bem trajado, de gravata, paletó e chapéu. Viajava pela Maria Fumaça da Central do Brasil, chegando à capital mineira somente à noite.
Certa vez, para aproveitar oportunidades, viajei em um sábado, pois no domingo pretendia assistir a uma partida de futebol entre o Clube Atlético Mineiro e o Palestra Itália, hoje Cruzeiro Esporte Clube.
No domingo, não me lembro se no campo do Atlético ou no Barro Preto, campo do Cruzeiro, eu estava presente entre os torcedores, fazendo força para a vitória do meu clube favorito, o glorioso Cruzeiro.
No decorrer da partida, notei que Kafunga Murilo e Ramos, do Atlético, estavam impecáveis, salvando o seu time de um resultado negativo. Já no Cruzeiro, os destaques ficavam por conta de Geraldo II, Caieira e Bibi, um trio inesquecível.
O futebol apresentado pelas duas equipes foi equilibrado, muito vibrante, emocionante desde o início até o final, muito bem dirigido pelo competente árbitro Mario Viana, de saudosa memória.
O resultado não poderia ser outro: deu empate.
Estou desviando de assunto, volto ao principal.
No dia seguinte, segunda-feira, fui às compras nas casas especializadas no ramo de couro e outros apetrechos para selaria. Nessa mesma tarde fui à estação ferroviária comprar passagem para, no dia seguinte, viajar de volta para São José da Lagoa, hoje Nova Era.
Com a passagem no bolso, passei pela pensão Sete de Setembro, no bairro Floresta, onde paguei as despesas, pois viajaria no dia seguinte, bem cedo. Entrei no meu quarto, preparei a bagagem e, logo após, saí a caminhar aleatoriamente pela cidade.
Depois do viaduto da Floresta, chegando à Rua da Bahia, à esquerda de quem sobe, havia um Verdurão, com uma banca com bananas no passeio. Aproximei-me para comprar algumas pencas com intuito de levar para casa. Antes de pegar as bananas, não resisti à vontade de comer e retirei uma, quando então ouvi gritos assim:
- Olha o ladrão! Pega o ladrão!
Duas pessoas correram em minha direção. Pensei que algum ladrão queria me roubar, deixei a banana cair e corri para o outro lado da rua, entrando no Parque Municipal (na época, não havia o gradil). De dentro do parque, olhei para trás, mas o trânsito impediu que o ladrão me alcançasse. Novamente ouvi a mesma voz gritando:
- Cerquem do outro lado que eu vou por aqui!
Pensei comigo:
- Estou roubado! O ladrão vai me deixar nu!
Sem outra saída, subi em uma árvore, escondendo-me entre seus galhos.
Lá de cima pude ver e ouvir os dois supostos ladrões passarem bem próximo:
- É, ele sumiu.
Fiquei na árvore até escurecer, quando começou a chover. Molhei-me todo, abraçado ao tronco para não cair.
Acreditem que a noite chegou e a danada da chuva não parava.
Empoleirado lá em cima, contando as horas pelo som do relógio da Igreja São José, ali fiquei até a madrugada, já sem chuva.
Desci do meu “poleiro”. Estava ensopado e sujo daquele lodo que escorria pelo tronco da árvore. Caminhei até à Av. Afonso Pena, nas proximidades da Igreja São José, onde pegaria um táxi para pensão 7 de Setembro. Mas... todo o meu dinheiro havia sumido!!!
Conforme relatei no princípio, os rapazes de Nova Era usavam paletó e chapéu. Voltou a chover abundantemente. Procurei um cantinho debaixo de uma marquise, fiquei bem encostado na parede por muito tempo. Pensava:
- Será que aqueles dois não eram ladrões e, sim, funcionários do comerciante de frutas? Será que eles julgaram que eu queria furtar bananas? Será que eles achavam que eu queria tirar frutas e não pagar?
Cansei de ficar em pé. Sentei-me no chão e em poucos minutos estava dormindo. A minha cabeça pendeu para baixo, o chapéu caiu entre minhas pernas, ficando com a parte que se coloca na cabeça virada para cima.
Ao acordar, que surpresa, o chapéu estava cheio de dinheiro. Olhei para os lados, tudo tranqüilo, guardei a dinheirama nos bolsos e paguei um táxi até a pensão.
Foi a conta de tomar um banho e trocar de roupa, antes de rumar para a estação ferroviária no mesmo táxi, que ficou esperando.
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